domingo, 2 de outubro de 2011

Controle e Controvérsia :: Parte II

Da série de contos Diários em terceira pessoa
Uma tentativa de literatura. Por que nenhum deles é real. E nenhum deles é fictício.

***
Se você não sabe como essa história começou, leia a parte I antes de prosseguir por aqui...


Manhã seguinte, acordou com barulho de chuveiro, misturado a uma voz desafinada que cantava alto: seu companheiro tomava banho... Levou um tempo a acostumar-se com a luz que invadia o quarto, ao mesmo tempo em que tentava organizar no pensamento as coisas que haviam acontecido na noite anterior... Ia se dando conta de que nunca antes tinha encontrado alguém com quem pudesse compartilhar ao mesmo tempo tanto calor e tanto cuidado. Bom o papo, bom o sexo; bom o carinho, boa a pegada... E foi então tomado por uma sensação incontrolável de euforia, de animação, de sorriso...




"É a minha energia de hoje", pensou. "E bom que seja assim, porque não seria interessante acordar de mau humor na casa de um... ficante? Enfim, não interessa". O rapaz saiu do banho de toalha - que corpo, que corpo - e lhe sorriu com simpatia, enquanto tentava arrumar o cabelo ainda molhado, sem muito sucesso...

- Você estava com uma carinha tão fofa dormindo, que fiquei sem jeito de te acordar...

Ele reagiu ao comentário com um sorriso que até para si mesmo pareceu enorme - era a euforia, sem dúvida.


- Acordei com você cantando no banho...
- Nossa... não acredito que ouviu aquilo. Eu sou muito desafinado!
- Não, nem um pouco...
- Mentira.
- É, mentira... eu não diria que você deve investir na carreira...

Riram deliciosamente.

- Enfim, preciso ir. Já te dei muito trabalho passando a noite aqui.
- Com a diversão que tivemos, desde a festa, não acho que você tenha me dado trabalho. Adorei conhecer você, moço.
- Gostei muito de te conhecer também...
- Não sei o que vai achar dessa minha proposta, mas eu queria sair com você de novo qualquer dia... tudo bem?
- Claro! - gritou, eufórico, extremamente exaltado, arrependendo-se no segundo imediatamente posterior, ao ver a reação espantada do rapaz.

Tentou se recompor, ficando mais tranquilo ao perceber que, na verdade, o garoto parecia achar aquilo bastante divertido, como se gostasse de ir conhecendo mais, explorando outras coisas  (por mais estranhas que fossem) daquela figura tão marcante que conhecera na noite anterior. Trocaram telefones e ficaram de se encontrar dali a dois dias.
Na data do novo encontro, ele acordou tomado por uma ansiedade desesperadora.

Primeiro achou estranho o fato de que, daquela vez, sua euforia durara muito menos do que em ocasiões passadas. Porém, talvez exatamente por estar ansioso, começou a se dar conta de que tinha muito mais com o que se preocupar. Passou o dia ensaiando coisas que deveria dizer quando visse o rapaz, como iria cumprimentá-lo, abraçá-lo - deveria beijá-lo assim que o encontrasse ou não? O que era aquela relação? Era exatamente uma relação? E a pergunta mais desesperadora de todas: o que iria vestir na ocasião?

Olhava o relógio a cada segundo. Chegou ao lugar do encontro uma hora e meia antes do combinado para ter certeza de que não se atrasaria. E acabou sendo pior: o tempo não passava, e a menor sensação de que seu companheiro não viria parecia lhe colocar em completo descontrole... Os dois minutos de atraso do rapaz, então, pareceram eternos, foram os mais desesperadores... mas enfim, ele apareceu. E eles seguiram a noite num passeio tranquilo, sem muitos roteiros programados, andando perdidamente pela rua, sentindo o vento e a companhia... mais conversas, mais olhares, mais vontades...

Outra despedida.
Outro reencontro?

- Sim, claro... pode ser na semana que vem?
- Combinado...

E assim, foram... uma semana e mais outras, três ou quatro. Alguns encontros, vários na verdade, sempre marcados por uma sintonia ótima, que ia desde o abraço apertado que abria as noites, até o doce sono compartilhado que geralmente as encerrava.

E aos poucos, ele começou a se espantar com algo que vinha ocorrendo, e que nunca havia acontecido até então: certamente por fortes e repetidas coincidências, os seus sentimentos começaram a caber exatamente no ritmo dos encontros com o seu moço. Nos dias em que iam se ver, por exemplo, ele acordava estranhamente animado; outras vezes, quando o espaço de tempo entre um encontro e outro eram maiores, lhe batia um quê de saudade que ele achava sempre muito esquisito. As suas tais energias egoístas pareciam querer sintonizar com tudo o que lhes acontecia. E ele gostava daquilo, porque podia simplesmente não se preocupar com o esforço quase diário de "selecionar" os alvos dos seus sentimentos: apenas decidiu por continuar direcionando tudo ao tal garoto, principalmente porque até então ele vinha sendo a mais agradável das companhias. Sem dúvida, tinha o receio de que de repente as coisas começassem a desandar outra vez, como já havia acontecido, mas resolveu levar aquilo adiante, enquanto durasse - seguir a filosofia-clichê de que é necessário viver um dia de cada vez (até porque a ele não restava mesmo muita alternativa...)

E este sistema de resolução das coisas lhe parecia tão normal... só depois veio a se dar conta de que, na verdade, ao resolver tudo com tanta "praticidade", como se as coisas fossem de fato simples, ele ignorava absolutamente tudo que acontecia consigo. Sentimentos são complexos demais para se guiarem por rápidas e confortáveis decisões arbitrárias. Na verdade, parecem ser eles os árbitros... e os seus sentimentos, especialmente, apesar da impressão de liberdade que lhe davam, eram no fundo mais loucos que os de qualquer outra pessoa...

Começou a se dar conta disso após um dos dias de saudade que vinha tendo - fazia de fato algum tempo que não via o seu rapaz. Na ocasião, uma amiga ligou para fazer um animado convite: queria sair com ele, para ir exatamente à mesma boate onde tinha conhecido o moço. Pensou em chamá-lo também, mas desistiu para não parecer muito no pé: eles já haviam combinado de sair juntos no dia seguinte, e, além disso, seria uma oportunidade de curtir de novo os amigos com quem ele não saía já havia muito.

E o seu susto maior foi exatamente chegar lá e, coincidentemente, dar de cara com o garoto. Lindo como sempre, aparentemente bêbado, e beijando outro rapaz de modo a chamar a atenção de quem passava...

***

Esquentando, a história, né?
Pois então vai logo lá ler a última parte, que aí você mata de uma vez a curiosidade e fica sabendo como ela acaba (ou como começa, né?)

Beijo,
Murilo

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