terça-feira, 4 de outubro de 2011

Controle e Controvérsia :: Parte Final

Da série de contos Diários em terceira pessoa
Uma tentativa de literatura. Por que nenhum deles é real. E nenhum deles é fictício.
***
Se você não sabe como essa história começou, leia a parte I e a parte II antes de prosseguir por aqui...


Ele simplesmente gelou. Ficou parado, como se as coisas ao redor sumissem e só fosse realmente importante tentar entender o que estava acontecendo. Tudo muito rápido. Tudo tão ao mesmo tempo que ele não conseguiu raciocinar que, pela primeira vez em toda a sua vida, um de seus sentimentos mudara antes do fim do dia: de saudade, passou a sentir uma decepção doída, profunda, que machucava... sentiu o gosto desagradável daquilo tudo, ainda com o olhar fixo naquela cena, por um tempo que deve ter sido longo de fato - e mesmo que não tivesse, na hora lhe pareceu quase eterno...



Quando conseguiu voltar a si, a primeira coisa que quis foi sair dali, ir embora e sumir completamente: não dar mais sinal, não atender telefonemas, não trocar mais um olhar que fosse, apagar da memória aquele garoto... Porém, antes mesmo de que fosse capaz de dar um passo, o seu companheiro (que parecia não ser mais seu) largou do beijo e lhe viu. Assustou-se com a situação, certamente por perceber o olhar não muito agradável lhe chegava do outro lado da boate.

Nenhum dos dois sabia bem o que fazer.

Então, como que cansado daquela situação patética, ele virou-se e saiu, tendo apenas o tempo de perceber que o tal garoto o seguia. Acelerou o passo para tentar despistar o rapaz, não queria papo. Quase atropelou o segurança da boate na saída. Por incrível que parecesse, a rua estava pouco movimentada, mas isso foi coisa que ele também não percebeu. Preocupava-se apenas em caminhar rápido, enquanto um turbilhão de coisas se misturava sem ele se dar conta: decepção, raiva, ciúmes, tudo ao mesmo tempo martelando no ritmo dos passos rápidos e largos pela rua.

Pouco tempo depois, o rapaz saía da boate olhando para os lados, à sua procura.

- Miguel, volta aqui!

Ele parou. Virou-se, e esbravejou pausadamente:

- Não olha mais na minha cara, Camilo. Me esquece.
- Espera, deixa eu falar.
- Olha, vai embora. Não vem atrás de mim. Volta pro teu garoto lá dentro.
- Miguel...
- Volta, droga! Volta pro teu carinha lá e me deixa em paz.
- Então eu volto. Se você insiste tanto, eu volto. Que fique claro que eu queria conversar, merda...
- Olha, não tente inverter as coisas aqui, tá bom? O filho da puta dessa história não sou eu. Mas também não interessa... a gente não tem nada sério mesmo, e é certamente isso que você tem pra me dizer... Mas eu já sei. Sei que você tem que ir lá exercitar a sua capacidade de ser um cara maravilhoso. Vai. Deixa eu me sentir um idiota aqui. Deixa eu me sentir um idiota por ficar na tua. Me sentir um idiota até por não querer conversar mesmo. Pra mim já deu.
- Você me ama, Miguel?

Silêncio por um segundo.

- Você não me conhece, Camilo. Eu vou embora.

Virou-se para ir, e a primeira coisa que pensou na hora era que queria muito dormir para que alguma outra sensação lhe tomasse na manhã anterior. Foi só ao pensar nisso que ele começou a raciocinar sobre as coisas: porque tinha ficado tão afetado? Os seus sentimentos todos haviam mesmo mudado de uma hora pra outra? Ou aquilo era fruto da saudade do dia, que destinara ao garoto e que havia sido frustrada? Como é que as coisas estavam funcionando? Não conseguia entender... queria dormir, queria dormir...

Manhã seguinte, antes que conseguisse sentir qualquer coisa no peito, foi primeiro a cabeça que doeu. Foi até o banheiro procurar um analgésico no armário, e só ao olhar o espelho e ver o próprio rosto inchado foi que as coisas começaram a borbulhar de novo... Sorriu um riso irônico para si mesmo e suspirou:

- Parabéns, Miguel. Hoje o dia é de raiva.

Fora a parte desagradável de sentir algo tão pesado, achou que aquilo não seria de tudo ruim. Tinha muito claramente a pessoa a quem gostaria de destinar aquilo. Concentrou-se completamente em Camilo. Esforçou-se para direcionar a ele toda a raiva que pudesse sentir. E não conseguiu.

"Como assim? Eu quero sentir raiva dele!", pensava quase que desesperadamente... Ele tinha vontade de bater em si mesmo: não conseguia controlar a única coisa sobre a qual tinha algum controle... Desequilibrou completamente... Parecia começar a sentir uma espécie de êxtase, só que desagradável, confuso, em que o mundo girava completamente e outra vez as coisas misturavam num turbilhão de raiva, carência, ciúmes, saudade, desejo, euforia... e não entendia nada daquilo, porque era coisa que nunca lhe acontecera.

Jogou o corpo na cama, com a sensação de que tudo rodava. E não conseguia voltar a si.
Era uma epifania...

E só depois de se dar conta do que acontecia consigo, foi que começou a acalmar-se... Só naquela hora sentia os reais sabores do movimento que ele já havia notado, de leve, mas que andava querendo ignorar, levando mais em conta a sua suposta maturidade sentimental, que naquela hora parecia ridícula, patética.

Abriu um sorriso. Ideias brilhavam... correu ao telefone e não teve dúvidas sobre qual número iria discar...

- Camilo?
- Miguel?
- Sim, sou eu...
- Que bom que ligou... se bem que você deve ter ligado pra...
- Olha, Camilo, não fala nada. Me deixa dizer o que eu tenho pra dizer.
- Tá, tá bom... então fala.
- Eu continuo achando você um filho da puta tremendo depois do que fez ontem. Todo esse tempo a gente veio construindo uma coisa linda, eu estava me jogando inteiro, apesar do medo que eu tenho de um bando de coisas estranhas que acontecem comigo, e que você não conseguiria entender agora. Enfim, por mais que a gente não tivesse nada firme, nada certo, era impossível não ver como a gente estava ligado. E eu fiquei muito triste em te ver lá, ficando com outro cara, como se tudo fosse nada.
- Miguel...
- Eu não acabei... o negócio é que eu tinha todos os motivos pra te odiar o quanto eu quisesse. E eu tinha todo o ódio que eu quisesse a minha disposição, só para destinar a você. Mas eu não consigo, Camilo. Tenho vontade de me bater por isso, mas eu não consigo te odiar. Não consigo não gostar de você.
- Miguel... eu não tô te entendendo bem... o que exatamente você quer dizer com isso?
- Quero dizer que, junto com ódio, hoje eu acordei sentindo amor, Camilo. E o mais legal de tudo, sem nenhuma dúvida, é saber que esse amor é por você...

Ouviu apenas um sorriso desconcertado do outro lado da linha.

- E então, quando posso te ver, pra olhar bem no teu olho, te dizer que te perdôo e que te quero comigo?

3 comentários:

  1. simplesmente...

    ...lindo!

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  2. Lindo! Adoreeei mocinho' Pena que já acabou né... Mas espero encontrar outros contos logo.
    Um Beijo da Mari

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  3. como vc consegue cara...asuhsauhsauhsa...
    devia escrever um livro com varias historias...ia ser da hora

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