quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

a hora é de deixar


Para ouvir enquanto lê: Other Side of The World (KT Tunstall)

Oi, menino.

É depois de muito tempo que, enfim, respondo àquela tua carta de despedida. Hoje, no meio desse nosso reencontro, sou eu quem te olho dormir, na cama ao lado, me dando conta de que essa pouca distância agoniada que separa os nossos corpos agora já me aponta para a agonia maior que vai ser vê-la tão ampliada, numa distância maior de corpo e de sentimento.


Não sei se esperava rumos tão malucos pra tudo o que aconteceu. Não sei eu previa o que aconteceria desde o dia em que somei minhas lágrimas às tuas por cima das letras do papel que você deixou em cima da mesa. A única coisa que eu conseguia raciocinar minimamente era o tanto de razão que você tinha nas palavras que escreveu: de fato, seria muito doído te ver indo embora. O vazio que tomou minha casa aquele dia teria sido mais profundo, e eu sei que ficaria parado incrédulo olhando o teu ônibus sair, enquanto muita gente também olharia incrédula para os nossos olhos cheios de lágrimas e para o beijo de saudade que trocaríamos, sem culpa.

De resto, nada mais me passou pela cabeça. Acho que não encontrei a lucidez que fui buscar no gole do café que você deixou pronto – por mais que eu me esforçasse pra manter a consciência, ela deve ter ido embora naquele primeiro abraço, no dia da tua chegada no terminal; aquele abraço que eu quis interminável.

Hoje, olhando pra tudo, tenho que te agradecer pelos tantos sorrisos trocados em mensagens pela internet e horas eternas de conversas ao telefone. Uma ou outra crise insegura que depois passou, e talvez algumas frustrações que eu certamente deixarei para lá também. Porque não seria eu se não fosse desse jeito, você sabe. No fim, fico com a memória dos dias de domingo em que amanheci lembrando que tínhamos um ao outro – e não há nada mais lindo.

Agora os rumos são outros, certeiros, um pouco cruéis (como quase tudo), e tenho nas mãos apenas essa pequena despedida que rabisco enquanto você dorme, e que certamente será um pouco mais definitiva. Escrevo no fluxo da consciência. Não sei se caiu a ficha ou processei os fatos o suficiente. Sei só que gostaria mais de estar aí, na cama ao lado, te abraçando apesar de qualquer desconforto, pra enfrentar de um jeito menos dolorido o desassossego de pensar que já não temos mais tanto tempo.

Não sei quando te verei de novo.
Nem o que será da vida até lá.
Com certeza terei saudades – e provavelmente uma ou duas crises de ciúme que eu não compartilharei contigo por saber que não faz sentido e que depois vai passar.

Queria que fosse simples, mas não é.
A conversa passou a ser sobre futuro também, não só sobre amor.
E a gente precisou desistir de enfrentar o que quer que fosse: a decisão certeira... um pouco cruel, mas que não deixa de me deixar um pouco aliviado. No fim das contas, não há exatamente nada de muito errado: estamos um de cada lado do mundo.

Que a gente encontre os nossos caminhos, e que, de um jeito ou de outro, eles se cruzem em qualquer esquina. Que você seja feliz, engorde os quilos que forem necessários, e supere os complexos para deixar os desnecessários pra lá. Busque um espaço exclusivamente seu, que você precisa ter, mas tenha mais paciência com a sua vó – e dê um beijo nela por mim depois. Leia aquele texto de Platão que eu te indiquei. Sorria por mim da próxima vez que ouvir Cícero. Não desista dos seus projetos. Faça um esforço pra encontrar amor.

E continue gostando de mim pelo menos o pouco que for necessário para você ainda ter a disposição de brigar com alguém na rua quando eu participar do meu primeiro reality show.

Sentirei sua falta, pequeno. Muito mesmo.
Se cuida,

Murilo

PS.: não desista do seu presente de Natal. Tá atrasado, mas vai chegar.

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