terça-feira, 27 de julho de 2010

Complexidade # 25 - Despedida da Fritações

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Lar - Murilo Araújo

Não pensei que fosse ser tão difícil sair daqui de casa. Ao leitor desavisado, a casa que acolheu a república “Fritações” foi vendida, e agora estou partindo para morar em uma casa que é estranha por ser amarela por dentro, e que fica em frente a um paredão, atrás de uma academia e numa rua sem saída.

Mas o que me deixa triste em sair nem é tanto a casa nova, para onde vou, mas a casa que deixo agora. Mesmo sabendo que eu não poderia morar aqui para sempre, é meio doída a sensação de deixar para trás um ano e meio de muitas histórias, da fase mais importante, emocionante, reveladora, conturbada e feliz da minha vida, até hoje.




A Fritações foi batizada em uma madrugada fritante, na companhia de André, Daniel e talvez do Farley, se é que este último escutou as intermináveis conversas de nós três, enquanto permanecia trancado em seu quarto, ainda misterioso. O nome não pegou de verdade, mas nenhum outro conseguiria ser tão significativo, pelo menos para mim. Muitas das minhas complexidades (as que escrevi, as que guardei só comigo e as que esqueci), quase todos os frutos das minhas crises nasceram aqui. Muitas das minhas reflexões feitas lá fora, nesse mundão de Viçosa, eram sobre as coisas que aconteciam aqui nos momentos sufocados em que eu precisava fugir daqui – e até desses momentos eu sentirei saudade...

Parando para pensar: a chegada, de mudança (vindo do andar de cima, onde eu morava), as conversas com o Daniel, excessivamente filosóficas, a amizade grande que surgiu dessas conversas, os meus amadurecimentos, o Grupo de Estudos e as nossas fritações sobre Deus (com direito às caras engraçadas de Paulo Vitor e Iara), os meus “petits amis” (como seria no livro que eu não terminei de escrever), as idas, as chegadas, a briga com o Daniel, que nem chegou a ser uma briga, mas uma crise, como é de praxe, a necessidade da confissão, o surgimento de Ana Veneza, que talvez tenha sumido (ou simplesmente se incorporado demais a mim), as conversas com o Farley (especialmente duas), as observações e as investigações psicanalíticas durante essas mesmas conversas, a reconciliação com o Daniel, as visitas dos amigos, as outras conversas cheias de mais confissões, a comemoração da carteira assinada pela primeira vez, os textos, os poemas, os livros (os que li e os que ainda não terminei de escrever), as boas notícias e as ruins, as lágrimas dos vários dias, a notícia da venda da casa, a procura por algum lugar decente para morar... E agora, a mudança que começo a fazer numa despedida com quase-lágrimas.

Aconteceu tudo isso dentro dessas paredes brancas – eu gosto mais de branco que de amarelo. E ainda devo dizer que do que aconteceu, muita coisa não foi escrita aí em cima...

Eu até me esforçaria para pensar nos possíveis lados bons da ida, mas quero mesmo sentir doer um pouco a nostalgia da saudade que carregarei sempre, na certeza de que os futuros moradores desta casa herdarão as mesmas energias que herdei quando entrei neste quarto, somadas às muitas (muitas mesmo) que eu deixarei aqui – as memórias e as sensações de tanta história, tanta descoberta, tanta maturidade e tanta filosofia (das boas e das ruis, mas apenas das que verdadeiramente servem para a vida).

De fato, não pensei que seria tão ruim como está sendo. Tirar a plaquinha da porta, aquela onde está escrito o meu “Harmonia”, é um gesto que desarmoniza, como tudo o mais dessa ida, que me deixa mal.

E como disseram aquelas freirinhas lá de Ilhéus, “que Deus me dê uma boa chegada” à casa nova... ao menos isso. Aliás, junto a esta prece o desejo de que Ele não me permita esquecer os momentos que vivi aqui, nem os bons, nem os ruins. Se depender de mim, apenas, sei que não vou esquecer mesmo, mas quero essa ajudinha divina... será bem-vinda.

Enfim, o Historiador é o Rei. Freud, a Rainha.

Vou arrumar as malas e as caixas, que a casa não é mais nossa – mesmo que seja ainda, e para sempre.

19/07/2010
14:16hs, olhando o meu quarto ainda
arrumado, do jeitinho que ele é.

Um comentário:

  1. acho q o aconchego q este cantinho trouxe é unico, mas sei q onde vc for vai ter lugarzinhos como este, pq os carrega em vc..
    amo mto viu!
    beijo!

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