quinta-feira, 7 de agosto de 2014

complexidade #46

Este texto levou cerca de 4 meses para ser escrito. O oposto da maior parte dos outros textos daqui, que geralmente escrevo de uma vez só, voltando ao rascunho apenas para revisar e organizar as ideias. Para este, foram muitos os rabiscos, pensamentos, idas e vindas ao papel e ao computador, trechos escritos, jogados fora, abandonados, esquecidos, resgatados, reescritos, repensados... até sair essa costura que consegui concluir hoje, acompanhado de uma caneca de vinho seco (que nem me agrada tanto, mas era o que tinha de alcoólico na minha cozinha). A qualidade literária talvez não seja tão grande, em relação a outros textos que escrevi e acho melhores. Mas fico feliz com o "resultado", principalmente por ser uma das poucas vezes em que eu não desisti do primeiro rascunho inacabado, como recorrentemente acontece. De certa forma, o frenesi de sentimentos que insistiu em me agitar durante todo esse período me manteve firme na proposta de concluí-lo... e foi bom poder colocar nas palavras tudo o que coloquei. Boa leitura.



Para ouvir enquanto lê: Time After Time (The Wind and The Wave)

Passaram 18 semanas desde o último beijo.

Hoje, por acaso, achei aquela foto que você tirou de mim minutos antes da nossa despedida. Estava escuro, e lembro que só deixei você tirar a foto porque pensei que a imagem não fosse captar nada – nem mesmo aquele sorriso tímido que você me roubou, e que acabou ficando registrado.

Me peguei sentindo saudades de novo, essa coisa que volta e meia anda vindo me tirar do eixo, justo naqueles dias em que eu tô começando a me sentir recomposto, aliviado e um pouco mais livre de você, mais livre pra seguir com a vida. 

Acabei disparando a catar fotos dos nossos dias juntos, revivendo um pouco daqueles sorrisos todos trocados em tantos momentos bons. Relembrei as ambiguidades de cada uma das nossas horas, em que me permiti te desejar de um jeito que eu nem lembrava ser capaz, lidando com a constante ameaça da fragilidade dos nossos sonhos, que estavam inevitavelmente esbarrando em todo canto, se quebrando contra a nossa vontade.

Soubemos o tempo todo do quanto eram frágeis, e quisemos sonhá-los mesmo assim, com o medo consumindo e o carinho fazendo esquecer o medo, fazendo valer a companhia, e até colocando um pouco de esperança no coração.

Acho que o sorriso daquela foto foi o último ainda alimentado por essa esperança. O último que eu consegui te entregar sem ressalvas, o último que saía com um pouco mais de certeza, aberto como eu sabia que você gostava de ver, o último que seria entregue completamente a você, que ainda estava ali comigo – eu sentado no chão, e você agachado na minha frente, apoiando as mãos no meu joelho, se segurando para não desequilibrar sob o efeito da cerveja de mais cedo, e tentando ajeitar o cabelo bagunçado, retribuindo meu riso com aquele teu olhar de doçura.

Sem saber que você me captaria, deixei você tirar aquela foto, e foi assim com todo o resto: sem saber que você me captaria tanto, te deixei entrar no meu coração fazendo morada. E eu te quis. E você chegou e foi ficando, arrumando aqui dentro o teu cantinho tão cheio de canção, poesia, cuidado, angústia, saudade, Platão e Cícero. E pouco tempo depois daquele último sorriso, precisei te abraçar e me despedir, e te vi indo embora de mim de algum jeito – só que sem nunca ter parado pra desarrumar o teu canto daqui. 

E como nunca fui bom em tomar decisões (você sabe), tento continuar caminhando com a minha vida, como pedi que você fizesse, mas meio sem saber o que fazer com os móveis, discos e fotos que ficaram, metaforicamente... Fico sem saber o que fazer com essas certezas e com as dúvidas, ou com o rastro do sentimento que ainda passa por cima de mim. De certo modo, fico sem saber sequer o que fazer com essas palavras, que eu só coloco no papel pra ver se a mente se organiza um pouco no meio dessa completa bagunça que eu sempre fui. Acho que ando carente, de novo, e não sei se é a tua saudade que me faz ficar desse jeito, ou se é por estar desse jeito que a saudade volta a me pegar com tanta força. 

Seja como for, o fato é que sinto falta de poder dedicar a você outros sorrisos. Sinto falta do teu jeito tímido, dos teus carinhos, dos teus complexos, dos teus beijos, do teu sexo, do teu corpo que eu conseguia sentir inteiro no meu abraço. E é difícil dizer tudo isso nessas circunstâncias ainda tão complicadas, em que a minha crise parece não ter muita solução. Talvez tenha, eu sei, mas penso que é mais uma daquelas decisões difíceis de tomar. Talvez eu tenha medo de me aproximar da ideia de que a nossa hora passou, tendo cumprido na vida da gente o que houve tempo de cumprir. Afinal, por uma ironia grande da vida, estivemos sempre perto um do outro, mas só nos encontramos quando estávamos distantes... e por mais estranho que isso pareça, eu não acredito que tenha sido tudo por acaso.

Talvez dê pra me consolar com a ideia de que a gente ainda pode se reencontrar depois, um dia, mas também não dá pra contar com isso, nem esperar por isso. E eu sigo me apegando às memórias carinhosas das nossas tantas histórias, tentando me desprender do vínculo sem me desprender delas nem de você, pra ver no que dá. Espero que funcione, aos poucos, em alguma hora, ainda que eu saiba que por mais que passe o tempo e as coisas mudem... e ainda que eu consiga desarrumar o teu canto aqui de dentro... o sorriso daquela foto vai sempre permanecer sendo teu.

Um comentário:

  1. Quase chorei, ainda bem q me distraí cantando na metade e li a outra em silêncio :P

    E ficou confessional, não tem problema algum perder o trato literário artístico. Romance já é uma Arte.

    by: Tutu.

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