segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Depois do vidro, o outro lado da rua


Sentiu-se num filme. Estranha troca de olhares intensa, disfarçada, através duma janela de ônibus.

Estava lá. Não havia mentido. Fez-se exceção, fez-se tudo o que não eram aquelas antigas e repetitivas faces ocultas e maravilhosas que nunca se concretizaram, eternamente fixas na virtualidade das decepções todas (alguns entenderão tudo, e talvez essa idéia assuste, mas vai passar).



O fato é que estava lá. O ceticismo fizera efeito – fazer provar, ver para crer. Agora via.

E enquanto o fato “era”, o mistério surgia: o ônibus sutilmente se afastava, e o sorriso se abria, ainda sem que caísse em si daquele instante inusitado que se demorasse um pouco mais, perderia completamente o sentido. Ver, exigência maior da sua incredulidade decepcionada, fazia agora despir-se de todo ceticismo para aprender a sonhar outra vez. O exigido e ali alcançado ver-físico lhe criava o enxergar-sentimental (sem compromisso com qualquer verdade que não fosse a do mais perfeito e irresponsável inconsciente)...

O olhar jovem daquela pessoa do outro lado da rua, o balançar leve de cabeça quase imperceptível, o lábio inferior (vermelho como poucos que vira), tudo isso fazia construir uma cumplicidade que talvez nunca tivesse criado com alguém próximo e de todos os dias. Desfez-se de todas as decepções, desejou, sonhou de novo.

Quis mais do que nunca o toque. Não mais o toque desejado de antes (o cético), mas o toque sem toque, o mais próximo, mais diálogo-silêncio-presença. Quis o que aprendera ali, naquele olho inquieto, que do outro lado da rua procurava alguém atrás de um vidro (o que traria aquele ônibus? será que se sentou do lado de cá? ou esqueceu?)...

Quis aquilo tudo (aquele expor, aquele esconder), vivido dessa vez mais de perto, como se pudesse atravessar a rua e deixar o ônibus ir, sem mais nada ter importância. E quis, ao mesmo tempo, fazer de cada instante próximo o significado daquela coisa leve que era efêmera e intensa, como tudo aquilo de que aprendeu a gostar.

Quis estar.
Estar junto apenas, e preocupar-se.

Quis estar a construir essas declarações sublimes que se dizem assim, como naquele olhar atrás do vidro, lançado sutilmente ao outro lado da rua.

Hipersensível, sentiu-se num filme seu. Seu e de alguém mais, que espera ter por perto quando chegar ao depois do fim da trama.

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