terça-feira, 4 de novembro de 2014

rabiscos

Da série de contos Diários em terceira pessoa.
Uma tentativa de literatura. Por que nenhum deles é real. E nenhum deles é fictício.


Para ouvir enquanto lê: Take a Bow (Greg Laswell)

Sentou-se à cama, levemente pensativo, e ficou por um tempo admirando a pilha de rabiscos em cima da estante a sua frente. Alguns estacionados ali havia meses. Uns a lápis, outros a caneta, alguns mais organizados, outros rabiscados, tortos, com setas puxadas aqui e ali apontando as tentativas de costurar as ideias. Vez ou outra, desenhos perdidos com bonecos de palitinho, ou um trecho de música escrito entre aspas e com letra corrida no canto da folha, provavelmente algo que ele andara escutando ou tinha na cabeça na época em que cada uma daquelas palavras foi escrita – para ser deixada de lado, naquela pilha, logo em seguida.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

complexidade #46

Este texto levou cerca de 4 meses para ser escrito. O oposto da maior parte dos outros textos daqui, que geralmente escrevo de uma vez só, voltando ao rascunho apenas para revisar e organizar as ideias. Para este, foram muitos os rabiscos, pensamentos, idas e vindas ao papel e ao computador, trechos escritos, jogados fora, abandonados, esquecidos, resgatados, reescritos, repensados... até sair essa costura que consegui concluir hoje, acompanhado de uma caneca de vinho seco (que nem me agrada tanto, mas era o que tinha de alcoólico na minha cozinha). A qualidade literária talvez não seja tão grande, em relação a outros textos que escrevi e acho melhores. Mas fico feliz com o "resultado", principalmente por ser uma das poucas vezes em que eu não desisti do primeiro rascunho inacabado, como recorrentemente acontece. De certa forma, o frenesi de sentimentos que insistiu em me agitar durante todo esse período me manteve firme na proposta de concluí-lo... e foi bom poder colocar nas palavras tudo o que coloquei. Boa leitura.



Para ouvir enquanto lê: Time After Time (The Wind and The Wave)

Passaram 18 semanas desde o último beijo.

Hoje, por acaso, achei aquela foto que você tirou de mim minutos antes da nossa despedida. Estava escuro, e lembro que só deixei você tirar a foto porque pensei que a imagem não fosse captar nada – nem mesmo aquele sorriso tímido que você me roubou, e que acabou ficando registrado.

sábado, 8 de março de 2014

três dias

Da série de contos Diários em terceira pessoa.
Uma tentativa de literatura. Por que nenhum deles é real. E nenhum deles é fictício.
 

Para ouvir enquanto lê: Daydreamer (Adele)

Sinto que fui completamente teu naqueles poucos dias em que estivemos juntos.
Desde os primeiros olhares, acho que estive sempre entregue.

Lembro com carinho de quando esbarrei contigo no meio da multidão pela primeira vez. Teu rosto marcou. E comecei a ser teu na cadência daquele samba desafinado, no colorido daquela cena enfeitada de fantasias, bonecos, adereços e até das bolhas de sabão que vinham não sei bem de onde. Eu sabia toda a música, e te lançava olhares cantando feliz pra você, interrompendo os versos apenas para deixar saírem os risos que eu não conseguia controlar quando te via retribuir os olhares e cantar pra mim de volta.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

complexidade #45


Às vezes tenho a impressão de que você se arrepende muito de não ter ficado comigo enquanto houve tempo. Que tem um pouco de ressentimento pelo jeito como as coisas aconteceram. Que lamenta a tristeza que houve. Que agiria de outra maneira se estivéssemos juntos hoje.

Às vezes tenho a impressão de que você pensa que estaríamos juntos hoje se tivéssemos agido de outra maneira. Se tivéssemos agido de outra maneira, talvez as coisas hoje pareceriam um pouco menos sem sentido, um pouco menos fora de lugar. Talvez estivéssemos juntos e felizes. E fico me perguntando se concordo com isso que eu acho que você pensa. Não sei. Só sei que eu tenho a impressão de que você se arrepende de não ter ficado comigo enquanto houve tempo.

Teu olhar te denuncia, menino.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

os rascunhos e as besteiras

Da série de contos Diários em terceira pessoa.
Uma tentativa de literatura. Por que nenhum deles é real. E nenhum deles é fictício.


Para ouvir enquanto lê: A desenhista (Ana Larousse)

Chegava outra vez a uma daquelas fases da vida em que não conseguia não ficar pensando em tudo. Não que ele já não se cansasse de pensar o tempo inteiro... mas é que, naquelas fases, a coisa aumentava o ritmo, fervendo na cabeça, sacudindo no peito, tudo misturado.

Estava ali de novo: numa daquelas fases, aquele tempo sempre esquisito em que não conseguia não ficar pensando em tudo. Pelo menos dessa vez tentava ter a garantia de que não estava recitando novamente um soneto camoniano cheio de contradições; de que não estava outra vez exagerando no perfume de propósito; de que não estava num daqueles períodos de amor exigente... tentando ter a garantia de que não estava repetindo os tropeços, de que tinha processado atentamente os aprendizados de antes, pra que a vida não sentisse a necessidade de repetir uma lição dolorosa.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

a hora é de deixar


Para ouvir enquanto lê: Other Side of The World (KT Tunstall)

Oi, menino.

É depois de muito tempo que, enfim, respondo àquela tua carta de despedida. Hoje, no meio desse nosso reencontro, sou eu quem te olho dormir, na cama ao lado, me dando conta de que essa pouca distância agoniada que separa os nossos corpos agora já me aponta para a agonia maior que vai ser vê-la tão ampliada, numa distância maior de corpo e de sentimento.

domingo, 28 de julho de 2013

complexidade #44


Acho que as coisas andam complicadas.

Tem sido difícil lidar com essas milhões de dúvidas que volta e meia me invadem a cabeça, especialmente nesses momentos delicados da vida, em que tudo é muito desconhecido, provisório, efêmero, imprevisível...

Tem sido difícil. Fico confuso com o meu excesso de afetações, dividido entre a necessidade de me colocar no meu lugar, no meu rumo, e a vontade que dá às vezes, de tocar o foda-se pra tudo – afinal de contas, não sou exatamente um especialista em controlar os sentimentos.